Há uma verdade de fé professada pelos católicos, referente a Maria, que é a base para todos os demais dogmas sobre ela: que ela é a Mãe de Deus. Mas como entender isso? A dúvida vem principalmente dos protestantes, mesmo daqueles entre eles que reconhecem em Maria uma mulher especial e não “uma qualquer”. Mas tal dúvida, sobre ela ser a mãe de Deus, pode estar mesmo entre católicos, não obstante sua aceitação pela fé.
Nosso ponto de partida na compreensão desta verdade está na palavra de Deus, mais precisamente naquilo que santa Isabel, a mãe de São João batista, cheia do espírito santo, disse a Maria: “De onde me vem a felicidade de que a mãe do meu Senhor venha me visitar?” (Lc 1,43). Jesus não recebe este título “Senhor” como outros homens o receberam (o imperador, por exemplo). Ele é o Senhor por excelência, por ser o Filho de Deus, um com o Pai (Jo 10,31). O título “senhor” era usado para substituir o nome de Deus, que os judeus não pronunciavam. Quando a Bíblia diz que “Jesus é o Senhor” ela está dizendo que ele é Deus (cf Mt 12,8; 25,31ss; Jo 11,27; 20,28; Fl 2,11).
Até aqui tudo bem: Jesus é o Filho de Deus. Agora vem a questão: o Filho de Deus se encarnou e passou também a ser Filho de Maria. É o que vemos claramente nas palavras do anjo Gabriel a Maria: “Conceberás e darás à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo. (…) “O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te envolverá em sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer será santo e será chamado filho de Deus.” (Lc 1, 31-32.35)
Maria é de fato a Mãe de Deus (theotokos, em grego) por que Jesus é realmente Deus. Alguns dirão: “não, ela é mãe somente de Jesus homem.” A princípio esta afirmação parece sensata, mas não é. Ora, se fosse assim, então haveria dois “Jesuses”: um homem e um divino. Não há. Jesus é um só. Para entender isso, temos que entender o que a nossa fé diz sobre Jesus: ele foi uma só Pessoa, e essa Pessoa é divina. Porém, nesta única Pessoa que é Jesus, há duas naturezas, a humana e a divina.
Essa verdade de fé, a respeito de Jesus ser uma pessoa divina, foi definida como tal, pela Igreja, no século IV. Ela já era acreditada desde o início, mas foi neste século que um bispo de Constantinopla, chamado Nestório, abertamente a refutou. Ele dizia justamente isso, que Maria não era a Mãe de Deus, mas somente de um Jesus humano. Para ele, o Verbo divino não se encarnou, mas se apossou de um corpo humano e passou a existir duas pessoas, uma humana – Jesus – e outra divina, o Verbo de Deus. Interessante notar que Nestório usou o mesmo argumento que recentemente ouvimos de um pastor protestante: “Maria não poderia ter sido mãe de alguém mais velho do que ela.” Ora, este pensamento é muito pobre, de quem não acredita que “para Deus nada é impossível.” (Lc 1,37).
São Cirilo de Alexandria
Interessante que a primeira pessoa a mostrar a heresia (negação da fé) do bispo Nestório foi um leigo chamado Eusébio. Depois dele, São Cirilo, Patriarca de Alexandria, entrou na briga, levando o assunto ao Papa. Após muitas tentativas de elucidação, Nestório foi excomungado no Concílio de Éfeso em 431, pois não quis negar o seu erro.
Pela defesa da ortodoxia, São Cirilo arriscou ser mandado ao exílio e por alguns meses experimentou a humilhação do cárcere. “Nós — escreveu —, pela fé em Cristo, estamos prontos a sofrer tudo: algemas, cárcere, todos os incômodos da vida e a própria morte”.
“O Emanuel tem certamente duas naturezas: a divina e a humana. Todavia, o Senhor Jesus é um só, único e verdadeiro filho natural de Deus, ao mesmo tempo Deus e homem, não um homem deificado, semelhante aos que pela graça se tornaram partícipes da natureza divina, mas Deus verdadeiro que para a nossa salvação apareceu na forma humana”.
Importância do Dogma Mariano
Parece não ter muita importância negar que Nossa Senhora seja a Mãe de Deus. Mas tem, e muita. O que está em jogo, na verdade, não é tanto o título de Nossa Senhora, mas a retidão de nossa fé em Jesus. Falar de N. Sra. é falar de Cristo. Quem eleva Maria, Exalta Cristo. Quem a diminui, diminui Cristo. O dogma, na verdade, faz referência ao fato que Jesus é uma só pessoa. Caso contrário, se fosse duas, seria um Jesus com algum grave tipo de desordem de identidade. Quem nega que Maria é a Mãe de Deus está negando que Jesus é uma só pessoa divina.
Claro que isso não significa que Maria CRIOU Jesus. Maria foi o templo (sacrário) que Deus escolheu para que nela e dela seu Filho nascesse. Do corpo de Maria veio a carne e o sangue de Jesus, obviamente que não a divindade. Mas, repetimos, Jesus é uma só Pessoa, ainda que com duas naturezas. Por fim, é importante lembrar que estamos tratando de um mistério. Diante do mistério, podemos e devemos tentar entender, mas sabendo que há um limite para a inteligência humana. Na verdade, até os anjos não entendem perfeitamente como a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se encarnou. Diante da incapacidade de total compreensão, basta-nos humildemente crer e aceitar, como a Igreja nos ensina.
“(…) As diferentes naturezas foram reunidas em uma união real, mas isso em ambos em um Cristo e Filho, não porque a distinção de natureza fosse destruída pela união, mas sim porque a natureza divina e a natureza humana formaram um Senhor e Cristo e Filho para nós, através de uma concordância maravilhosa e mística na unidade… (Concílio de Nicéia)
Pe. Silvio Roberto, MIC