Há muitos anos uma amiga pediu que eu lesse e desse minha opinião sobre o livro A Cabana. Como uma versão do livro chegou ao cinema e uma outra amiga também pediu minha opinião, achei interessante publicar o que escrevi anos atrás (esta crítica é em relação ao livro, não ao filme, que não assisti; no entanto, imagino que alguns dos pontos abaixo também estão no filme).
O livro A Cabana é uma interessante estória simbólica da relação de um homem com Deus, refletindo este desejo do encontro que cada um de nós tem consigo mesmo e com Deus. Talvez o segredo do seu sucesso seja trazer Deus para tão perto, tão intimamente, ao mesmo tempo que sob uma forma surpreendente. Mas, sob o ponto de vista cristão/católico, ele tem alguns erros teológicos, ou seja, uma compreensão em alguns pontos errada do mistério de Deus e sua relação com o ser humano. São os seguintes pontos:
– O livro diz que as três Pessoas da Santíssima Trindade se tornaram humanas (p. 89).
Na verdade, o que aconteceu foi que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade – o Filho – ASSUMIU a natureza humana, sem deixar a sua natureza divina (cf Lc 1,35; Gl 4,4). Jesus é Deus e homem, enquanto que o Pai e o Espírito jamais se encarnaram; nunca se tornaram humanos;
– Diz o livro que Jesus fez milagres como um homem normal o faz, ou seja, por confiar em Deus (p. 90). Na realidade, não foi assim. Jesus curava e libertava EM SEU PRÓPRIO NOME, por Ele ser um com o Pai;
– Em vários lugares o livro diz que o Pai também tem as cicatrizes dos pregos da cruz no pulso (ex.: p. 92). Não é bem assim… O Pai não foi crucificado e não morreu na cruz. Quem foi crucificado foi Jesus. Quem morreu na cruz foi a sua natureza humana (a Pessoa divina não, obviamente, pois Deus não pode morrer). Claro que podemos entender as cicatrizes no Pai de forma simbólica, ou seja, que Ele de alguma forma sofreu com o Filho;
Esses pontos acima, embora errôneos, dificilmente são percebidos pela maioria das pessoas. São erros que existiram no começo do cristianismo, em diversas heresias, que negavam a divindade de Cristo (arianismo), mas depois foram corrigidos pela Igreja. O livro diz que o autor fez “estudos religiosos”, mas, como visto, não é uma teologia totalmente conforme a nossa.
O livro traz alguns pontos positivos e realmente muito profundos e dignos de nota:
– fala de um homem que não acredita na bondade de Deus e por isso desconfia (p. 115). Isto é muito real em nosso tempo. Lembramos que este ponto é uma insistência na Mensagem da Divina Misericórdia. Jesus “reclama” a Santa Faustina da incredulidade das pessoas, que não aceitam Sua bondade.
– o capítulo 16, tratando do perdão, é muito bom;
No entanto, há ainda pelos menos 3 outros pontos que são teologicamente errôneos e, para os incautos, podem ser prejudiciais:
– o autor faz uma crítica à Igreja como Instituição (pp. 164;166), seguindo a ideia de “Deus sim, religião não”. Para ele, bastaria uma comunidade, sem necessidade de uma estrutura organizada. É verdade que Jesus constituiu uma Comunidade, mas, por ser uma comunidade de seres humanos, precisa sim ter uma estrutura concreta. Não somente isso, Jesus deixou uma hierarquia na Sua Igreja, tendo Pedro à frente; daí termos o Papa e os bispos. Essa Hierarquia é sagrada e querida por Deus (cf Mt 16,16ss). Ela é necessária para que caminhemos integramente na fé: “quem vos ouve, a mim é que ouve” (Lc 10,16; Gal 2,1-3).
– O autor põe na boca de Jesus uma negação da religião (p. 166). Novamente a ideia de “Deus sim, religião não”. Temos que entender que religião – do latim religare (religar) – é o meio de se estar unido, novamente, a Deus. O Cristianismo é a verdadeira religião, pois nos une a Deus por Jesus, que é “o Caminho, a Verdade e a Vida”. E o Senhor quis que esta religião se concretizasse na Sua Igreja. Dizer que o Cristianismo é a verdadeira religião não é discriminação ou condenação de pessoas que não são cristãs. A Igreja admite que mesmo quem não conhece Jesus, mas agir segundo os retos ditames de sua consciência, pode se salvar. Porém é necessário que a Mensagem de Cristo seja pregada a todos, que devem ser batizados e acreditar (cf. Mc 16,15ss)
– Por fim, aparece no livro o Espírito Santo negando os mandamentos, citando-os como obsoletos, pois bastaria o amor. Sim, é verdade que o amor é a essência e cume de todo mandamento, mas nem por isso os mandamentos foram abolidos por Deus. Basta lembrar que somos seres carnais e imperfeitos, precisando de normas claras em nossa caminhada de fé para orientar a nossa consciência. Jesus foi enfático ao dizer “não vim abolir a lei, mas aperfeiçoa-la” (Mt 7,17). Ao jovem rico, ele começou dizendo: “guarda os mandamentos” (Mt 19,17). A negação dos mandamentos é algo muito grave, pois é negar a direta vontade de Deus.
Enfim, o livro tem uma estória interessante (que deve estar também no filme), com boas reflexões sobre perdão e relacionamento com Deus, mas peca por apresentar um cristianismo desencarnado do contexto concreto da comunidade, praticamente negando a necessidade da Igreja que o Senhor quis nos deixar. O livro reflete a visão protestante do autor – – bem como uma visão cada vez mais forte na pós-modernidade que vê o homem como um indivíduo cada vez mais isolado em si mesmo (individualismo), sem laços fortes de pertença. Aliás, o autor recebe muitas críticas inclusive de evangélicos, principalmente por seu último livro, Mentiras que Cremos sobre Deus (Lies we believe about God), que parece negar o pecado, o inferno e outras verdades da fé.
Em tempos de tanto relativismo, onde cada um escolhe sua verdade, somos lembrados que o Senhor deixou-nos a verdade na Sua Igreja. Não digo que, pelos pontos acima, os católicos não devam ler o livro ou assistir o filme, mas, se o fizerem, que o façam tendo em consideração estes pontos de nossa fé.
Pe. Silvio, MIC